DEPOIMENTO DA CÁSSIA, DEPOIS DE EU TER COBRIDO UMA TATTOO Q A INCOMODAVA MUITO..

Para Anna.

Eu tinha que resolver um assunto comigo há muito tempo. Sabe uma coisa que te incomoda, te deixa para baixo, mas que ninguém pode fazer nada além de você? Era assim que eu me sentia com relação ao meu braço esquerdo. Sempre olhava para ele e pensava: Porque eu fui tatuar meu braço? Porque eu fiz isso? Quando eu o tatuei, tinha 16, 17anos... Sei lá. Na época era o máximo, me sentia diferente e fulgás.
Mas com o passar do tempo, olhando para aquelas tatuagens crucificadas no meu braço, me sentia meio que fadada a carregar "isso" comigo. Optava em usar blusas de mangas compridas em certas ocasiões, não para esconder o braço por ser tatuado, mas sim para esconder aquelas tatuagens, elas me transformaram num misto de marinheiro com presidiário. Hoje tenho 36 anos, e cansei de "arrastar essas correntes". Foi aí que Anna passou a fazer parte dessa historia. Olhei para ela e pensei: Será que essa menina, calma, pequeninha, de cabelo amarelo-vermelho vai conseguir me ajudar? Ela olhou, torceu meu braço para um lado, para o outro... E disse: "Deixa comigo, vou descascar esse abacaxi com maestria". Sem titubear lhe dei o braço que não era mais o máximo, era só o braço. O foco agora era: Tatuar o que para cobrir essas "coisas".
Sou politeísta, creio em Deus e em Deuses. Depois de Deus, Grande, magnânimo, Ganesha é meu Deus predileto, ele é considerado o mestre do intelecto e da sabedoria. É o símbolo das soluções lógicas, destruidor de obstáculos, do orgulho e da vaidade. Estava decidido, era esse Deus que daria uma vida nova para o meu braço. Dias depois fui para o estúdio de Anna, ela me esperava com o Ganesha pronto. Quando ela o estampa no meu braço meio que me assustei, era enorme, ela começou a desenhar a mão livre em volta dele as flores de lótus encheu meu anti-braço, já não via mais as tatuagens de "cadeia" que ficaram presas ali por tantos anos. Ficamos duas horas traçando. Quando saí de lá, me sentia feliz. Só com o traço senti que Anna já tinha dado uma sobrevida a um braço que se escondia. Marcamos para todas as terças, teríamos pela frente pelo menos mais três encontros depois desse. Cada término de sessão eu me sentia melhor, confiante, e certa que Anna sabia mesmo o que estava fazendo
Ontem foi a nosso último encontro, levei uma caixa de Bis branco para gente comemorar. Até aí tudo certo, ela tatuando, eu sentido dor, e juntas conversávamos. Em certo momento me peguei pensando: Eis aqui duas mulheres no mínimo corajosas e valentes. Ela, Anna valente por descascar esse abacaxi, porque fazer uma tatuagem não é como costurar uma roupa, se a cliente não gostar, a costureira compra outro tecido e pronto, se um cara pinta o seu retrato você não gostou, você não paga e vai procurar outro. Mas tatuar, não, errou ferrou. E eu corajosa, porque dói para cacete, no pulso então, meu Deus. Me distrai divagando sobre coragem e valentia. Mas quando olhei para o meu braço, Anna de cabeça baixa trabalhando, vi o Ganesha vivo na minha pele, vivo! Ela acabará de pintar os olhos. Tive vontade de chorar ali mesmo, vontade a abraçar a Anna e dizer: você não faz idéia do bem que me fez.
Quando terminamos tive a certeza que não gostaria de ter me tatuado com outra pessoa, em outro lugar. Agora quero que todos vejam o meu braço, vejam meu Ganesha, e saibam que foi a menina de cabelo amarelo-vermelho que fez com que meu braço voltasse a conviver com o resto do corpo. Anna, continue fazendo o que faz com esse esmero, com essa paciência, com esse talento acima de qualquer suspeita. A pessoa é para o que nasce. Você nasceu sem sombra de dúvida para tatuar, mas esse seu dom não só lhe torna a melhor tatuadora que já vi, te torna alguém que ajuda outras a resgatarem a auto-estima, a renovarem a suas alegrias. Desejo a você tudo que você desejar, tenho certeza que muitas pessoas terão o privilégio de se deixar tatuar por você. Foi um prazer todo meu ser tatuada por ti. Muita paz, tranqüilidade, saúde. Continue a sua jornada, não para ser a melhor tatuadora do Rio de Janeiro, isso você já é. Siga em frente, você já tem asas suficientemente fortes para alçar vôos maiores que te levaram para bem longe.